Salve Ana Lins dos Guimarães Peixoto







Cora Coralina





"Vive dentro de mim
uma cabocla velha de mau-olhado, acocorada ao pé do borralho,
olhando para o fogo. Benze quebranto. Bota feitiço... Ogum. Orixá. Macumba, terreiro.
Ogã, pai-de-santo...

Vive dentro de mim a lavadeirado Rio Vermelho. Seu cheiro gostoso d'água e sabão. Rodilha de pano. Trouxa de roupa, pedra de anil. Sua coroa verde de São-caetano.

Vive dentro de mim a mulher cozinheira. Pimenta e cebola. Quitute bem feito. Panela de barro. Taipa de lenha. Cozinha antiga toda pretinha. Bem cacheada de picumã. Pedra pontuda. Cumbuco de coco. Pisando alho-sal.

Vive dentro de mim a mulher do povo. Bem proletária. Bem linguaruda, desabusada, sem preconceitos, de casca-grossa, de chinelinha, e filharada.

Vive dentro de mim a mulher roceira. Enxerto de terra, meio casmurra. Trabalhadeira. Madrugadeira. Analfabeta. De pé no chão. Bem parideira. Bem criadeira. Seus doze filhos, seus vinte netos.

Vive dentro de mim a mulher da vida. Minha irmãzinha... tão desprezada, tão murmurada... Fingindo alegre seu triste fado.

Todas as vidas dentro de mim: Na minha vida -a vida mera das obscuras."

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